HIPERCONTOS
DIGITAIS
É aqui que muita coisa se explica...
O olhar frio estava fixo no espelho, enquanto ela cantarolava e se balançava para frente e para trás, com o intuito de se ninar.
O vestido branco, que já estava manchado de vermelho, não era de longe mais assustador do que o sorriso macabro que habitava o doce rosto de Elena, que já se encontrava banhado em lágrimas; era medonho, aterrorizador.
Lembranças lhe vinham a cabeça, memórias de um cruel presente, que logo, porém, acabariam e, virariam doces lembranças de um terrível passado.
Precisava testar a lâmina, fazendo assim um pequeno corte no próprio polegar; sorriu, afinal estava pronta.
Naquela noite ela não teria medo, ela não bateria na porta e nem perguntaria se poderia entrar, não temeria olhar nos olhos e nem responder. Aquela noite era sua.
Encarava os corpos desprotegidos, frágeis, que dormiam despreocupadamente. Balançou seu pai — que em um sono pesado — apenas virou-se para o lado. Percebendo que seu plano não correria da forma planejada, puxou as cobertas, analisando o que poderia ser feito.
Com um sorriso horrendo, passou a lâmina em seu pulso, fazendo assim o mesmo acordar, gritando, despertando assim sua companheira que imediatamente acendeu o abajur que ficava na mesinha de canto. Assustados, ambos fitaram a figura sombria em sua frente.
— Filha?!
Não, não era ela ali e talvez nunca tenha sido; era toda sobra de dor e desespero, era um corpo, com o espírito corroído pela falta de amor, falta de esperança.
Mas como dizem: "Palavras tem poder"; para aqueles que se importam — o que não era o caso — a ferida era grande demais, imperdoável.
— Prefiro ser chamada de docinho! —respondeu, indiferente.
Eles implorariam por suas vidas, e ela estaria feliz, pois ao menos uma vez na vida eles a dariam atenção.
— Olha o que você fez, sua pirralha, vá guardar isso agora! —O sermão veio de sua Mãe, mas, soou como um pedido, pois o medo tomava conta.
— Shiuu... — ela colocou a mão na frente da boca, fazendo sinal para que eles ficassem calados. — Vocês não mandam mais em mim. Você nunca mandou! Não é minha mãe! — afirmou com o olhar perdido. — Vocês sabem que dia é hoje? Não... — Sorriu amargamente — é meu aniversário… Por que vocês não sabem? — encarou friamente os dois.
— Não faço ideia! — sussurrou Daniel.
— Desculpe... — sussurrou Miranda com medo.
— Vocês não sabem porque... — fez suspense, caminhando lentamente — Nunca foram meus pais — disse friamente, após enfiar a faca com toda força na perna de Miranda, que urrou de dor. Em seguida, passou a lâmina em seu pescoço e, antes que seu pai reagisse, cortou-lhe a garganta.
Antes de sair do quarto, deixou nos corpos de ambos a sua assinatura: com a ponta da lâmina, fazendo cortes profundos no calcanhar esquerdo de cada um, escreveu a inicial de seu nome.